A Pureza do Coração e os Rituais Externos
A questão da pureza sempre esteve presente nas tradições religiosas, e os rituais de limpeza física e espiritual têm uma história profunda, especialmente entre os judeus. Jesus, ao confrontar os fariseus, traz uma perspectiva radical sobre a pureza ao enfatizar que o exterior, por mais limpo que esteja, nada vale se o coração estiver contaminado. Essa mensagem é de grande profundidade, pois nos convida a refletir sobre o valor que damos aos rituais exteriores em comparação com a sinceridade do nosso coração diante de Deus.
É interessante observar que, muito antes de o mundo moderno entender a importância científica da higiene, os judeus praticavam o ritual do “Netilat Yadayim” — o lavar das mãos antes de consumir alimentos, como o pão. Esse costume, adotado com grande reverência e seriedade, simboliza a necessidade de estar “puro” antes de se aproximar de algo sagrado. Essa prática era tão importante que o Talmude ensina que quem despreza o ato de lavar as mãos antes das refeições é digno de exclusão. Jesus, contudo, não se opunha à prática em si, mas à sua interpretação distorcida, em que a pureza externa tomava o lugar da pureza interna.

Para Agostinho, um dos grandes teólogos da Igreja, o verdadeiro mal é aquele que reside no coração. Em uma de suas reflexões, ele afirma que “é melhor não fazer nada, do que realizar tudo sem pureza de coração.” Ao afirmar isso, Agostinho chama a atenção para o fato de que a ação só é valiosa se vier de uma intenção pura, algo que, para ele, se alcança apenas por meio da transformação operada pelo Espírito Santo. Esse conceito ressoa com as palavras de Jesus para Nicodemos sobre a necessidade de “nascer de novo da água e do Espírito” para ver o Reino de Deus (João 3:5). Jesus não está dizendo para abolir os rituais, mas sim para enxergá-los como meios simbólicos, que apontam para uma necessidade maior de renovação do coração.
A Lei Mosaica continha regras rigorosas para evitar a impureza ritual, como a proibição de tocar em corpos mortos e objetos considerados impuros. No entanto, Jesus revela a Nicodemos que a verdadeira pureza provém de um coração renovado, algo que os rituais externos, por si só, não podem alcançar. Karl Barth, outro teólogo influente, fala sobre o “agir para fora do coração,” apontando que as práticas externas, quando separadas da transformação interior, acabam tornando-se vazias, sem o poder real de mudança. Barth destaca que Deus está menos interessado na limpeza das mãos e mais na pureza do coração.
Esse contraste se torna mais claro ainda quando Jesus lava os pés dos discípulos. Naquele momento, Ele assume um papel de servo, limpando seus discípulos de forma simbólica e expressando que o Reino de Deus é um chamado à humildade e ao serviço. Esse ato não só representa a remoção da impureza, mas Jesus, ao tocar seus pés, aceita a impureza deles sobre si mesmo. Ali, Ele revela que sua missão não era preservar uma pureza ritual, mas sim redimir o homem de sua condição de pecado.
Para os judeus, lavar as mãos simboliza um compromisso com a pureza; mas para Jesus, essa pureza precisa ser uma condição do coração. Em sua mensagem, ele nos convida a buscar um relacionamento mais profundo e íntimo com Deus, onde a pureza do coração é cultivada pela oração e pela leitura da Palavra.
Para aprofundar mais no entendimento da pureza espiritual e da transformação interior, recomendo o livro Cristianismo Puro e Simples, de C.S. Lewis. Este livro explora de forma brilhante o chamado para uma vida cristã autêntica e para um relacionamento verdadeiro e profundo com Deus, inspirado pela renovação do coração.